sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Da Terra Prometida para a Terra Prometida - parte 02

A invasão israelense

Enquanto o baixista Avishai Cohen alcançou sucesso através do seu trabalho com Chick Corea no final dos anos 90, chamando a atenção de muitas pessoas pela primeira vez para uma geração emergente de jazzistas israelenses versáteis, o cenário de Smalls continuou sendo somente um fenômeno novaiorquino. As coisas poderiam ter sido bem diferentes. Após Impulse! ter lançado a coletânea de “Jazz Underground: Live at Smalls” em janeiro de 1998, Lindner e Avital assinaram com a gravadora, um negócio que exigiu deles se privarem de gravar no clube por outras gravadoras. Avital fez seu primeiro álbum para Impulse!, mas o álbum Devil Head nunca viu a luz do dia (o álbum de Lindner acabou sendo licenciado por Stretch em 2000 com o nome de Premonition). Julgando pela música que mais tarde veio à tona na Small Records, a carreira de Avital poderia ter tranquilamente levantado vôo naquele tempo, começando a tsunami israelense uma década antes.

Mas talvez o atraso fosse para melhor. A falta de publicidade na década de 90 permitiu que os músicos israelenses fossem cozinhados a banho-maria no ambiente criativo do clube Smalls e desenvolvessem a sua música sem a pressão do próximo “boom”. Felizmente Luke Kabven foi imediatamente atingido por um cenário que se desenvolvia rapidamente e se organizou para documentá-lo, sempre gravando as performances no clube. “Eu acreditava que o que Omar estava fazendo era um dos únicos estilos de jazz que era fresco e satisfatório que eu havia ouvido em um longo tempo, e eu tinha o dever de preservá-lo de alguma maneira,” diz Kaven, que lançou a Small Records. Anos mais tarde ele lançou algumas das músicas criadas pelas primeiras bandas de Avital em “Room to Grow e Asking No Permissions”, fascinando os álbuns piano-less (sem piano) apresentando os bateristas Joe Strasser e Ali Jackson e os saxofonistas Greg Tardy, Myron Walden, Mark Turner, Charles Owens e Grant Stweart. Enquanto o seu som tem desenvolvido muito além daquelas sessões da década de 90, Avital já era um baixista imponente com um talento para organizar músicos.

Como a maioria de seus colegas israelenses, Avital passou seus primeiros anos em Nova York trabalhando febrilmente para entrar no cenário sem nenhum pensamento de forjar a nova forma do jazz do Oriente Médio. Mas quando ele começou a liderar as suas próprias bandas o baixista quase que subconscientemente começou a incluir os sons que ele havia ouvido enquanto estava crescendo com seu pai marroquino e sua mãe iemenita. Quando o acordo com Impulse! se tornou amargo e o lançamento de seu primeiro álbum foi atrasado indefinidamente, ele decidiu retornar a Israel. Estudando composição e imerso na música árabe, ele se devotou a estudar oud. Quando ele retornou a Nova York em 2005 os meios árabes e o alaúde do Oriente Médio haviam se mudado para o centro do seu conceito musical, e no seu magnífico álbum “Fresh Sound” de 2007 ele toca tanto baixo como oud em “Arrival”.

“ Assim que eu juntei a minha própria banda, havia definitivamente algumas coisas do Oriente Médio que eu estava escrevendo,” Avital fala. “Foi um processo orgânico e natural que durou um ano, e me levou um tempo para me dar conta de que aquela música era a música que eu havia crescido escutando. Foi somente aí que eu voltei para Israel para estudar música clássica árabe, um tipo de música que até então eu não conhecia. Isso tudo é em parte uma tentativa de conhecer que você é, e desse ponto em diante essas influências tem sido uma das cores da música.”

Outros israelenses estão atraindo atenção para outro tipo de influências. O saxofonista Eli Digibri, um músico brilhante que está envolvido consigo mesmo como um líder depois de dois anos e meio viajando o mundo e tocando com Herbie Hancock, encontra inspiração na música e nos compositores israelenses. Filho de um sobrevivente búlgaro do Holocausto e uma mãe iraniana ele absorveu uma vasta variedade de influências crescendo em Israel, mas ele não é particularmente ligado aos sons da África do Norte. “A música de Omer Avital é influenciada pelos estilos do Oriente Médio, mas a minha música nem tanto.” Diz Degibri. “Mas a canções dos grandes compositores de Israel estão ainda influenciando a minha música.”

Anat Cohen se apaixonou pela música brasileira via Matti Caspi, uma intérprete israelense extremamente particular que trouxe o movimento Tropicália para a Terra Santa. Imigrantes da América do Sul trouxeram consigo vários estilos da América Latina que se tornaram parte do cenário pop de Israel. Ela só foi descobrir que a sua música favorita era de Caracas traduzida para o Hebreu quando ela estava estudando em Berklee com uma professora venezuelana. Quanto mais tempo ela está nos Estados Unidos, mais os sons que ela absorveu em Israel tem vindo à tona em suas músicas.

“ Você não percebe essas coisas até que você viva longe de onde você cresceu,” diz Cohen. “Por um longo tempo você ignora isso para aprender novos estilos de música e um dia você percebe que realmente sente falta disso. Eu nunca tinha tido essa idéia de misturar música israelense. Eu havia acabado de me mudar para Nova York e eu me encontrei com o baixista Avishai Cohen e Omer Avital, os caras que já moravam em Nova York e eu percebi que eles combinavam todos esses sons da América Latina e do Oriente Médio com jazz e eu entendi que aquelas melodias eram parte de mim, e qualquer estilo que eu toque soa bem.

Se os músicos israelenses estão começando a expandir as possibilidades sônicas do jazz americano, é somente depois de um longo processo em que eles se compreendem no cenário de Nova York. O pianista nascido em Boston Aaron Goldberg conheceu Avital e Lebovich na “New School” em 1991 e ele se lembra que eles estavam com a intenção de assimilar mais do que forjar uma nova forma de jazz israelense. “Era realmente o caso de Nova York estar influenciando os israelenses”, diz Goldberg. “Não havia nada mais tão distinguível do Oriente Médio quanto a maneira que eles tocavam.”

Goldberg vê a emergência de um som de jazz distintamente israelense como uma reflexão do cenário abrangente de Nova York no meio dos anos 90. Assim como os músicos cubanos e porto-riquenhos procuraram criar uma nova síntese do jazz e vários estilos caribenhos, poucos músicos israelenses começaram a olhar para as suas próprias heranças culturais como um longo caminho para a corrente dominante do hard-bop e do postbop. Alguns críticos pintaram de um grosso modo para que nenhuma música com swinging fosse etiquetada como neoclássica apesar de existir um lado retrô na primeira banda de Omar Avital ou em Kurt Rosenwinkel e Mark Turner, ou em Joshua Redman com Brad Mehdlau, Christian McBride e Brian Blade.

“Em resposta por serem colocados no armário alguns músicos começaram a pensar, Deixe-me fazer alguma coisa mais pessoal, e olharam para a sua própria herança étnica,” Goldberg diz. “Havia um tipo de identidade política que existia na metade dos anos noventa e os críticos ficaram entusiasmados a respeito disso. Para os israelenses acho que foi o caso deles tentarem harmonizar os seus sonhos da sua terra natal enquanto ficavam em Nova York e também de se tornarem musicalmente estimulados. Eu tenho notado que todos eles passam através desse período aonde eles estão culturalmente conflitados. Eles amam Nova York, mas eles sentem saudades do seu lar, então, aonde eles viverão? Eventualmente todos eles passam a entender que eles pertencem a ambos e a criar uma maneira de ir de um lado para outro.”

Alguns dos recém-chegados, como o pianista Omer Klein, foi imediatamente mergulhado nesse processo de fundir os seus dois primeiros mundos musicais. Graduado pela Escola de Artes Thelma Yellin ele se mudou para Boston em 2005 quando estava com 23 anos, louco para estudar com Danilo Perez na New England Conservatory (Conservatório). “Eu nunca me esquecerei da primeira aula com Danilo,” Klein escreve via e-mail da Itália, entre uma pausa e outra de tocar com Avital e o trompetista Avishai Cohen. “Eu toquei uma canção israelense e improvisei com aquilo. Danilo imediatamente me disse, ‘Escuta aqui cara, essas tríades e inversões que você toca são muito importantes. Elas são realmente você. Eu não quero que você as perca nunca.’ Eu me lembro daquele dia porque foi a primeira vez que essa linguagem que eu estava tocando foi reconhecida e apreciada por um mestre do jazz que eu admirava muito.”

Em questão de meses Klein estava tocando regularmente em Nova York, moldando um vínculo forte com Avital. Desde que ele se instalou em Nova York em 2006 ele continuou a desenvolver um enfoque altamente lírico criado através da idéia de simples harmonias e gentis grooves do Oriente Médio, uma abordagem realizada maravilhosamente no álbum lançado no ano passado, Introducing Omer Klein (Smalls), figurando seu quarteto totalmente israelense com Avital, o baterista Ziv Ravitz e o percussionista Itamar Doari. É um som leve e calmo, remanescente de uma carreita tardia de Abdullah Ibrahim e a sua perfeita combinação coerente de melodias parecidas com o folk e a improvisação temática.

“Ritmicamente eu uso algumas das batidas do Oriente Médio no álbum,” escreve Klein. “Itamar Doari adiciona uma cor tradicional a esses grooves com uma fantástica percussão tocando. Omer Avital estava procurando isso bem antes de mim, claro, e com o grande Ziv Ravitz nós estamos começando a achar o nosso caminho para tocar esses ritmos antigos e bonitos, e expressar-nos com eles, de uma maneira esperançosa, nova e fresca.”

Agora os artistas israelenses que ganharam reconhecimento em Nova York estão fazendo um sério esforço para participar e construir o cenário israelense. O baixista Avishai Cohen se mudou novamente para Israel em 2005 e sua carreira está prosperando muito.

O saxofonista Eli Degibri criou o seu próprio programa com duração de um ano para estudantes do ensino médio em Tel-Aviv tendo como modelo o prestigiado programa do Instituto Thelonious Monk (o qual ele participou rapidamente antes de se mudar para Nova York). Os alunos tocam como uma banda, e ele os encontra pelo menos uma dúzia de vezes ao longo do ano.

“Eu sempre tento manter contato e ficar de olho nos novos talentos,” diz Degibri. “Eles geralmente vem de três escolas famosas. Todo ano há um grupo de músicos surpreendentes. A razão pela qual eu acho que há tantos bom jazzistas vindos de Israel é somente educação. Uma ou duas gerações antes de nós; eles foram aqueles que estabeleceram o passo. Eles abriram as portas para nós. Eles voltaram para Israel, talvez não tão bem sucedidos quanto gostariam, mas eles voltaram com uma paixão e eles passaram isso adiante. E isso é o que eu estou tentando fazer.” JT

2 comentários:

  1. Não identifiquei o nome de quem escreveu estes artigos, mas fica aquela ponta de arrependimento por não ter me inteirado desse contexto antes. Eu sabia que a cena novaiorquina estava impregnada de sons orientais, mas a oportunidade de ter Omer Avital, Avishai Cohen e Anat, além de Aaron Goldberg num só lugar (e no Brasil) deixa qualquer um entusiasta sobre a história do jazz de cabelos em pé! Bom mesmo é estar preparado para aproveitar as oportunidades. O nome disso é sorte. Os frívolos contatos que estabeleci com esses construtores da história musical contemporânea não estavam lastreados por uma síntese tão palatável sobre a cena atual. Mas estamos todos aqui, testemunhando o jazz norteamericano ser oxigenado com a disciplina e a obstinação de quem ama o que faz, por isso mergulha sem necessariamente enxergar o fundo. Começo meus estudos de música sabendo que essa linguagem está sendo transformada nessa etapa do séc. XXI. Percebo grandes nomes brasileiros atentos aos novos talentos que surgem, em boa parte, aqui de Brasília, cidade que ainda não aprendeu a reconhecer-se neles. Aliás, Brasília não se reconhece. São apenas 50 anos de história num país que em 500 aprendeu a destacar o que vem de fora. Brasília só repete essa receite, por mais que o produto mais original dessa cidade sejam suas pessoas e sua arte, principalmente a música, resultado de uma mistura originalmente misturada, o povo e a cultura brasileira. New York e Brasília. Cenários musicais que apontam para o futuro do jazz e da música brasileira. Se os israelenses chacoalharam a big apple, Brasília move o Corcovado!

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  2. Quem escreveu este admirável artigo foi Andrew Gilbert para a revista JazzTimes.
    Maria Alice

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